O Perigo do Totalitarismo Virtuoso

“He who dictates and formulates the words and phrases we use, he who is master of the press and radio, is master of the mind.”

Joost Merloo, no seu livro The Rape of the Mind, fala-nos dos perigos que hoje, enquanto sociedade, enfrentamos em nome do virtuosismo, do bem comum, sendo, por muitos, defendido uma homogeneidade de pensamento e de perspectiva.

Como será fácil de compreender, o mundo não é percepcionado por todos da mesma forma. Nem o poderia ser, pois a forma como vemos o mundo depende não apenas dos factos externos, mas sim daquilo que compõe o nosso sistema de crenças interno. Este último determina de forma efectiva a nossa perspectiva sobre os mais diferentes temas. Por outras palavras, a nossa forma de ver o mundo depende mais das nossas lentes, do que da própria realidade em si, pois as nossas crenças aumentam ou diminuem a importância dos acontecimentos.

Através das diferentes plataformas sociais conseguimos perceber, que não raras vezes, aqueles que se opõem, por exemplo, à discriminação de sexos facilmente caem na esparrela de discriminarem o sexo oposto. Em nome de uma tal virtude, acabam por adoptar eles próprios comportamentos e formas de pensamento que são altamente discriminatórias e segregadoras.

Parece-me, na minha óptica, que a melhor forma de combatermos qualquer tipo de extremismo é, por sua vez, a adopção uma perspectiva integral. E o que é isto de perspectiva integral? É quando abraçamos o maior número de perspectivas, mesmo quando estas perspectivas contrariam o nosso sistema de crenças interior, e que nos ajudam a compor um novo framework integral, que pode (e deve) ser sistematicamente ampliado.

É-me particularmente assustador perceber o poder de manipulação da imprensa, dos opinion makers, dos influencers, fazendo com que absorvamos opiniões que estão longe de ser racionais.

No final do séc. XX imperavam os valores democráticos (nomeadamente o da liberdade de pensamento, opinião, expressão, característico do iluminismo) e o entendimento de que as diferenças se conquistam com pontes, com tolerância e respeito pela individualidade do outro, e não com a adopção de uma única forma de estar e/ ou de pensar. Hoje, temos uma parte da população que se diz desperta, mas que encerra o mesmo tipo de comportamentos que diz querer contrariar, perpetuando verdades parciais que, sem saberem, validam o ego e as crenças que o compõe.Estamos, portanto, num momento de viragem, em que podemos optar por perpetuar o mesmo tipo de comportamento em nome de uma bandeira “diferente”, ou de reconhecer, que há bandeiras pelas quais vale a pena lutar (nomeadamente a da liberdade individual, tolerância, respeito mútuo pelas diferenças, liberdade religiosa, etc.) com um olhar fresco sobre a humanidade.

Citando o mestre da teoria integral Ken Wilber:

“Onde a razão perspectival privilegia a perspectiva exclusiva do sujeito em particular, a visão-lógica soma todas as perspectivas, não privilegiando nenhuma, e assim tenta compreender o integral, o todo, os múltiplos contextos dentro de contextos que revelam infinitamente o Kosmos, não de uma forma rígida ou absolutista, mas de uma tapeçaria fluidamente holónica e multidimensional”.

Este é um tema em que urge a reflexão, sob pena que cairmos na teia do totalitarismo virtuoso, correndo assim o risco de repetir a história naquilo que concerne ao silenciamento, perseguição, condenação de inocentes, que, só por desafiarem/ questionarem o status quo, estão sujeitos às novas formas de intolerância e de repressão.

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