Francisco Guerreiro4

A Terceira Questão: Trabalho, Sindicatos e Salários

Erik Gustaf Geijer, o grande avô literário, com idade, dava palestras apinhadas de jovens que o amavam, a quem dizia: “O princípio de associação é um meio de salvação do nosso tempo, mas certamente não apenas no contexto industrial. Isso requer que o princípio da associação ganhe uma vida mais elevada, mais nobre, que seja animada pelo mesmo espírito social de que falamos”.

Ó cume montanhoso, lá está minha casa,
Bem acima da floresta e do lago.
Lá eu vi a luz do primeiro dia,
E aí eu quero morrer também.

Que aquele que assim goste,
Que vá por todo o mundo, seja senhor ou servo.
Mas eu prefiro ficar em meus próprios pés
E ser completamente meu próprio homem.

“Ser meu próprio homem” – Eis o inicio da ode aos agricultores (“Odalbonden”) de Erik Gustaf Geijer, Liberal, poeta de renome, ainda ensinada e recitada às crianças.

O diálogo social é a cola de um país. Sem diálogo e cultura não há consensos. E sem consensos não há forma de nos entender, reformar e crescer.

“O meu sonho era viver num país nórdico onde o Estado não tem que intervir e o diálogo social funciona. Aqui não!”. Dizia o primeiro-ministro em debate nas eleições.

Mal seria se fosse o estado que impede processos associativos dos trabalhadores para depois ter “solução”.

Já “liberais”, os malvados, “odeiam sindicatos”, claro.

Nada mais longe da verdade. Os liberais defendem sim que trabalhadores se associem livremente com quem bem quiserem.

Hoje, século XXI, o sindicalismo está nas águas da amargura.
Para um Primeiro Ministro que diz que “História explica”; o atraso português, de facto a história explica que da Liberdade provém a prosperidade: inclusive nas associações.

Contextualizamos então a história. E apresentemos soluções.

Os trabalhadores são parte integral de qualquer processo produtivo: os salários líquidos são função de variáveis que incluem o esforço fiscal, a liberdade económica no sector, poder negocial, produtividade e alternativas possíveis para o trabalhador (i.e. que não tenha de se sujeitar ao que existe por falta de outras empresas).

Reter talento é um dos maiores desafios para qualquer entidade quando a concorrência é apertada. E nisto os Liberais estiveram na vanguarda das soluções.

Mas como conciliar Liberdade e a necessidade de trabalhar?
O que é ser, citando Geijer, o “nosso próprio homem”; e dono de seu destino?

A história explica.

A ascensão de Anders Chydenius para o parlamento sueco no final do séc XVIII foi chave mestra para se finalmente abrir uma nova forma de pensar neste tema.
Entender ele, e o movimento agrário, é entender o que realmente faz aqueles sindicatos funcionarem depois.

Ele não só antecipa Adam Smith na economia e na mão invisível: alia essa liberdade a um conjunto de questões sociais e políticas que ainda hoje se debatem.

Aqui se incluem direitos dos trabalhadores e Igualdade Natural: “Os altos salários dos servos não são, portanto, inteiramente culpados, pois são, à sua maneira, um meio eficaz de suprir a escassez de pessoas num país.

Na “Terceira Questão” Chydenius revela sua forma de ver o assunto: “que um servo, em primeiro lugar, não possa reter sua mercadoria, mas é, em segundo lugar, obrigado a vendê-la a alguém selecionado por acaso e também, em terceiro lugar, a um preço fixado pelo próprio comprador – pois, note-se, os servos não têm participação no poder legislativo
– então, numa nação livre, com razão, chamo de servidão.

Semelhanças interessantes ao que hoje sabemos ser o poder de Monopsónio do mercado de trabalho. O inverso do poder monopolista.

Entenda caro leitor que aqui, “mercadoria”, se refere ao trabalho: “Seu serviço ou trabalho não deve ser considerado nada além de mercadorias que eles oferecem para venda em benefício próprio e do público”.

A caracterização do trabalho como algo que se compra e os trabalhadores vendem constitui uma rejeição frontal do geocentrismo que é a teoria do valor do trabalho de que o pensamento socialista e comunista se baseia.

É a primeira de muitas publicações radicais sobre direitos hoje tidos como garantidos. Em 1778 por exemplo publica a maior obra “Pensamentos sobre os direitos naturais dos mestres e servos”. Ele inclusive menciona a importância da mobilidade dos trabalhadores na valorização dos salários.

A defesa dos agricultores, dos direitos dos trabalhadores, valeu muitos inimigos nos corredores da Capital, mas as ideias vão influenciar todo o espectro político da região nos 250 anos seguintes.

Comparado à Europa continental, os camponeses dos países nórdicos não eram apenas independentes. Representavam-se como o quarto poder nas Casas nacionais. Muito graças a ele tiveram um grau de influência política sem paralelo histórico, representando o movimento trabalhista por séculos na região.

A pobreza, geografia remota, total miséria e periferia assegurava que trabalhadores tinham de ter voz na discussão. A vasta maioria das pessoas do Império eram pequenos agricultores. Com mão na (bem literal) massa.

Sub-entender isto é crucial para sociologicamente entender os países. A base filosoficamente liberal ao mais alto nível está presente através daquilo a que hoje se chama de Corporativismo Liberal popularizado só cem anos depois com John Stuart Mill em Inglaterra.

Anders Chydenius defendia sim que trabalhadores, dispersos pelo país, mereciam representação, alegando que eram os mais vulneráveis na relação. Sem código profissional. Sem dirigentes. E sem organizações.

Eu, Liberal de tradição nórdica, o afirmo: precisamos dos trabalhadores sindicalizados.
Pelo menos 50% como objetivo seria um bom começo.

Precisamos também de abolir o salário mínimo e procurar soluções por sector. Negociadas.

A solução para a questão sindical é portanto transitar plenamente e sem reservas para um modelo em Sistema de Ghent. O sindicalismo de serviços.

Solução Lógica. Prática. Ética.

O Logos da solução.
Um Ethos Liberal.
E o Pathos da poesia.

Erik Gustaf Geijer foi e é um grande nome naquelas margens. Ainda hoje a estátua dele introduz a Universidade de Uppsala. Ainda hoje poemas e obras aquecem o coração desse rectângulo à beira mar.

Em 1844, décadas antes de qualquer renome social-democrata (e inicialmente se juntarem a boletins de voto liberais) já Erik Gustaf Geijer, o grande avô literário, com idade, dava palestras apinhadas de jovens que o amavam, a quem dizia:

“O princípio de associação é um meio de salvação do nosso tempo, mas certamente não apenas no contexto industrial. Isso requer que o princípio da associação ganhe uma vida mais elevada, mais nobre, que seja animada pelo mesmo espírito social de que falamos”.

Liberais como Hamilton e Arnberg, que Johan Norberg revisita no seu livro “Den svenska liberalismens historia”, bem como o Aftonbladet, supostamente um jornal “Socialista” (ainda parte detido por sindicatos) e cujo fundador é outro Liberal importante, falavam sobre o “futuro risonho”. Onde trabalhadores, libertos da acção opressiva do Estado (e da Capital), libertos das guildas medievais, se associam de forma mutualista para pensões, educação e apoio no desemprego.

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Além da indústria. Uma vida associativa mais elevada, mais nobre, animada pelo espírito social.

Que serviços falamos?
Venham os fundos de capitalização para pensões nos mercados, venham seguros de desemprego privados, venham workshops e formação e venha flexibilização de despedimentos com transição.

Tudo isto defendido por sindicatos.
Anda tudo trocado. Se isto é “socialismo”, onde assino?

Os liberais tendem a gostar da flexissegurança. Esse tal grande perigo “neoliberal”:
Inventada por sindicatos de lá, pois claro.

Os sindicatos nestes países têm “resultados e respeito” porque trabalham por tal, assentes no legado dos fazendeiros. Dos “Yeoman Farmers” que só americanos comparam.

Tem sido sim o estado português a destruir qualquer ascensão dos mesmos processos mutualistas aqui.

As Portarias de Extensão do estado ostensivamente protegem trabalhadores estendendo protecções sindicais a todos do mesmo sector mesmo não estando sindicalizados.
Mas o resultado final foi antes este: destruição da adesão às associações e, ironia, destruição de emprego. Menos empregos para igual número de trabalhadores.
Logo, menos salário.

Portugal hoje é dos países com menores taxas de sindicalizados. Sem pensões, sem seguros de saúde e sem subsídio de desemprego sindicais. No fundo sem qualquer independência real e sem poder negocial.

Achará o primeiro ministro que os sindicatos nórdicos lideram a oposição ao salário mínimo
europeu, tomando rédeas da luta a governos, defendendo o oposto da nossa esquerda por
capricho? Os próprios Socialistas se opõem ao salário mínimo!

Branting, o grande pai dos Sociais-democratas, adorava filosofia Liberal e assim frontalmente rejeitava comunistas e preferia antes os Liberais, ao ponto de estarem nos boletins de voto deles durante anos enquanto mobiliza sindicatos e eleitores com o slogan
“Não às tarifas da fome!”; numa plataforma de comércio livre!

Por igual importância, historicamente os países nórdicos também têm a particularidade dos
partidos Agrários, ou Liberais Nórdicos, como movimento “eclético” de sindicatos de
agricultores, pequenos comerciantes, profissionais liberais e juventude urbana (que percebem tanto da poda como eu, ou seja, nada.)

A ironia da esquerda.

Até à década de 1950 economistas Liberais de peso como Gustaf Cassel, Eli Hecksher, Knut Wicksell, Bertil Ohlin, entre muitos outros, viam Chydenius como antepassado intelectual e tinham peso para influenciar as decisões de forma decisiva.

Criaram inclusive uma própria “escola de pensamento”, a de Estocolmo, onde as nuances Liberais sociais e clássicas se juntavam em teses únicas. O conceito de paridade de poder
de compra, por exemplo, veio de Cassel. Cassel viria a orientar a tese de Gunnar Myrdal, um Socialista, e Bertil Ohlin, um Liberal. E Knut Wicksell fez contribuições para a escola
Keynesiana e Austríaca ao mesmo tempo.

Que irónico é eu ver a esquerda portuguesa encantada com uma região cuja influência basilar do Liberalismo económico é sobejamente reconhecida.

Caro leitor, se me acompanhou até aqui, leve consigo uma verdade incontestável: para a vasta maioria das pessoas, subir na vida será só através do fruto do seu Trabalho.
E cuja poupança se chama Capital.

A política social deve ser de complemento ao trabalho, de ajuda ao trabalho e incentivo a que as pessoas trabalhem. A esquerda não entende estes países. E muito menos entende as nuances.

É também na Terceira Questão, já em 1761, que Anders Chydenius defende um subsídio para apoiar os pais como forma de aumentar a sua real liberdade de escolha no mercado de trabalho: hoje reconhecemos isto como cheque-creche e abonos de família.

Um ideal liberal cooptado lá por social-democratas. Proposto cá pela Iniciativa Liberal com troça: da esquerda que se diz “social-democrata”.
Nem sabem o que é social-democrata. E muito menos sabem o que é Liberal.

Subir na vida é difícil em Portugal. Taxas elevadas, liberdade económica nos sectores das mais inferiores e os trabalhadores impedidos de fazer valer o seu poder negocial ou assessoria legal por via das associações.

Mas subir na vida não é só ter “salário alto”.
Também aqui a esquerda falha.
Na mentalidade. Na filosofia.

Além da “ironia”. O falhanço da esquerda.

É também, saber que com as obrigações fiscais pagas, o que é meu é meu.
A “pequena moeda”, a Mite, de Geijer.
Poupança em cara. Investimento em coroa.

Para dispor à vontade no âmbito da Liberdade plena: taxar riqueza, rendimento do trabalho
prévio, é errado.

A esquerda portuguesa sabe que o rendimento de capital nesses países é isento de IRS e o
que são as contas bancárias ISK? E nós? Nada similar?
Ou que na riqueza todos eles são mais desiguais que Portugal (Banco Mundial, 2019)?

A esquerda portuguesa tem ideia que os “malvados” fundos privados de pensões têm como a maior entidade gestora antes uma ONG gerida a meias entre patrões e sindicatos?

Portugal é irracional porque nunca foi filosoficamente Liberal.

Portugal consegue subsidiar pelo IEFP estágios mal pagos a jovens (um maná para empresas coladas ao estado) ao mesmo tempo que taxa imenso um aumento de salário de 1000€ para 1100€ líquidos de uma empresa livre que precisa de pagar para reter. Tiramos algo que pelo outro lado se subsidia. Centralismo. Controlo. Opressão.

Hoje, assim que finalmente se começa a ganhar algum valor de jeito, lá está o estado a cortar as pernas com esforço fiscal alucinante para tais salários.

Salários de pouco mais de 1000€ entram em escalões que o norte da Europa apenas aplica
a salários acima de 3000€. E não é difícil entender que o que interessa verdadeiramente para o trabalhador é a taxa de poupança.

Implica muito mais esforço pagar 20% de 1000 que 30% de 4000. E no segundo caso não só há menor esforço como os serviços sociais estão melhores.

Muitos dirão que se paga “muitos impostos” nessas regiões: dizem que “temos a carga fiscal abaixo da média da zona euro”. O que interessa é o esforço fiscal e a diferença é importante.

Conhecem realmente o sistema fiscal deles?
Ou o que foi os cem anos de crescimento que lhes criou riqueza?
A mesma esquerda que diz que o IRS “não pode ser plano” porque deve ser cobrado pela “capacidade de pagar” depois vira-se toda e não aplica a lógica a países!
Querem Portugal com impostos de rico sendo pobre.

Mas se a história explica, o caminho só pode ser em frente.

O futuro é livre quando a Associação for Liberal. Desde Chydenius às palestras de Gustaf Geijer. Com descentralização trabalhista e flexisegurança.

A “terceira questão” que Chydenius responde em 1761 vai além da questão dos salários e
dos impostos. Ele próprio o afirma.
A “Terceira Questão” é antes a questão da visão da sociedade e do trabalho. De um Caminho do Meio. Que permita também resolver o problema da emigração e da desertificação do interior.

Os Liberais, ao contrário do que se pensa, não são contra a associação livre.
Mais: é nela a raiz da solução.

As empresas, cooperativas, comissões e associações de trabalhadores devem ser os galhos do nosso desenvolvimento.

Senhor Primeiro Ministro, eu também gostaria de viver num país com a sociedade civil forte
e hidratada, e tal como afinal sabe: onde o estado não intervém.

Onde os trabalhadores são os seus próprios Homens.

Porque insistem então? Centralismo. Controlo. Opressão.

A história de facto explica a riqueza das nações.
A deles. A nossa.

É vocês, aristocracia da capital, quem os trabalhadores se devem opor.

A solução é Ambição.
De crescer. Em “Liberdade de Acordo, Liberdade de Acção”.

Para que um dia se leia cá Odalbonden ao trabalho. Para que um dia o trabalhador possa desfrutar bem neste outro rectângulo à beira mar e antes sim “ver a luz do primeiro dia ficando em seus próprios pés”;.

E se faça justiça às poéticas palavras:

Para mim muita aprendizagem não é pesada,
Eu só sei onde meu está.
O que certo é, eu dou a Deus e a Rei
E desfruto o resto livremente.

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