João Niny

O Politicamente Correcto ou a Nova Censura

Com o advento da internet e da informação digital seria de esperar que a Geração Z, a geração nascida de 1996 em diante, fosse a mais bem preparada e a mais bem-educada para a criar uma sociedade tolerante, livre e liberal. No entanto observamos que tal não sucedeu. Os velhos medos e temores que assombraram as gerações anteriores não se dissiparam e regressaram para assombrar as sociedades ocidentais. A guerra, a epidemia e a convulsão económica. A par de todos estes medos assistimos a outro ainda mais grave que se vai espalhando silenciosamente e insidiosamente, a privação de um dos direitos mais básicos do cidadão, a Liberdade.

Este ataque à Liberdade iniciou-se no princípio do século XXI com o ataque terrorista às torres gémeas do World Trade Center que mergulhou o mundo numa guerra contra um inimigo invisível e fanático. Pelo bem comum e pela segurança de todos os países ocidentais restringiram as liberdades básicas de circulação, aumentaram a vigilância dos seus territórios e aprovaram leis que davam aos Estados mais controlo sobre os seus cidadãos. Graças à histeria da guerra inventaram informações falsas, largamente difundidas pelos meios de comunicação social, para invadir um país soberano, o Iraque. E os prisioneiros de guerra capturados foram encarcerados em Guantánamo, uma prisão cubana longe da esfera dos direitos internacionais onde a tortura e outros actos condenados pela Convenção de Genebra eram praticados. E perante tudo isto as vozes mais sensatas eram abafadas e silenciadas. Afinal era tudo em nome da Segurança.

Vinte anos depois do World Trade Center o mundo vê-se a braços com a pandemia de Covid-19. Uma vez mais, desta vez em nome da Saúde e já não em nome da Segurança, os Estados apressam-se a passar leis e regras de forma a combater os efeitos da epidemia. Os direitos mais básicos do cidadão são atropelados e erradicados e a máquina do Estado debita diariamente normas e estudos de forma a espalhar o medo e a condicionar e a obrigar moralmente os seus cidadãos a obedecer sem questionar. Uma vez mais os órgãos de comunicação social são o veículo pelo qual a “Verdade” do Estado é transmitida e onde uma verdadeira lavagem cerebral da população é desencadeada. Os “peritos” são diariamente convidados a relatar a sua visão da pandemia causando o pânico e forçando a população em geral a aceitar o seu destino sem questionar. Certificados, máscaras, confinamentos e recolheres obrigatórios são postos em prática com a conivência de todos. Apenas uma “verdade” é aceite, a do Estado, todas as outras são reprimidas, desacreditadas e taxadas de “negacionistas” ou de “chalupices”. Tudo mais uma vez em nome do bem-comum e da Saúde de todos nós. Pelo mundo fora as liberdades individuais são postas em causa. Os direitos de cada um são omitidos ou pura e simplesmente retirados. Os que ousam falar são rapidamente silenciados e aqueles que carregam o “vírus” são de imediato ostracizados e “apagados” da sociedade e colocados, para seu bem e para o bem de todos, em campos de concentração. O Estado assim o exige, mas ainda mais assustador é que a sociedade também. Os cidadãos por medo aceitam alegremente um regime de tirania sanitária abdicando voluntariamente dos seus direitos. Tudo em nome da Saúde, da Segurança e do Bem-Comum. Afinal é apenas temporário e a Liberdade é algo inerente ao cidadão e nunca poderá ser-lhe retirada efectivamente.

Mas uma vez iniciado o processo da retirada de direitos é difícil voltar atrás especialmente quando esse perigo já não vem do Estado, mas da própria Sociedade.

Nos finais do século XX e inícios do século XXI os movimentos pelos direitos humanos e direitos LGBT ganham força e finalmente começam a normalizar nas sociedades ocidentais. Ser negro ou ser gay já não é um crime ou um tabu, mas sim algo normal e fruto da evolução das mentalidades. O racismo e a homofobia vão desaparecendo gradualmente graças aos meios de comunicação social, à literatura e à indústria cinematográfica que muito contribuíram para a normalização. O advento da Internet traz informação e contribui para desmitificação de certos preconceitos. Tudo parece bem encaminhado, mas adormecido jaz um perigo latente, feridas que nunca sararam por completo e que esperam apenas pelo momento certo para abrir novamente. Os movimentos sociais americanos dos anos 60 do século XX colocaram um fim na segregação racial. O fim das colónias europeias em África e na Índia culminou nos anos 70 com a fim das províncias ultramarinas portuguesas. As feridas de séculos pareceram finalmente sarar, mas a verdade é que apenas foram tratadas superficialmente. A Geração Z tomou para si a responsabilidade de resolver e de integrar socialmente os problemas causados pelas novas realidades. Afinal são a geração mais bem preparada, a mais informada e livre das ditaduras e repressões que afectaram as gerações anteriores. Mas a vida fácil e sem grandes contrariedades cria gerações que abominam o conflito e o evitam a todo o custo e como tal o perigo latente e adormecido desperta violentamente.

A luta pelos direitos sociais como o BLM (Black Lives Matter) ou o direito da comunidade LGBT trouxe para a ribalta problemas que pareciam ter sido ultrapassados, mas com que a sociedade se vê novamente a par. Desta vez, no entanto, carregados de uma profunda carga emocional e de culpa. Temas como a escravatura, o colonialismo e a homofobia são trazidos para a esfera pública, mas em vez de originar debate cria-se algo pior, algo que parecia ter desaparecido. A censura instala-se e o politicamente correcto é criado. A liberdade de expressão passa a caminhar em bicos dos pés, pois cada expressão, termo ou palavra pode ofender, magoar ou insultar uma pessoa ou uma comunidade. Palavras são riscadas do léxico linguístico e expressões milenares são corrigidas de forma a não causar susceptibilidades. Quem as usa é racista, machista ou homofóbico. Torna-se uma pessoa non-grata da sociedade e o seu comportamento é moralmente e implacavelmente censurado. Os meios de comunicação social e a Internet veiculam esta nova forma de pensar e ajudam a formatar este novo paradigma social. Devemos aceitar sem questionar, sem pensar, sem indagar o porquê. Esta aceitação complacente do politicamente correcto, da censura descarada vinda da própria sociedade e não do Estado deixa o cidadão sem reacção. Afinal não é um regime totalitário que nos impõe tal coisa, mas sim a própria comunidade, os nosso vizinhos, os nossos amigos. Como combater e argumentar contra algo que parece ser tão natural? Insidiosamente a censura e o politicamente correcto lançam os seus dedos esguios procurando a próxima vítima e cavalgando no silêncio e aquiescência de todos.

A literatura começa por ser o alvo inicial. J.K. Rowling, a célebre autora dos livros Harry Potter, é alvo de boicote por proferir opiniões homofóbicas. As obras Ian Fleming, autor do famoso agente secreto 007, são reescritas de forma a apagar passagens racistas e machistas para não ferir as susceptibilidades da nova geração. Pelo mesmo caminho vemos as obras de Agatha Christie e de Enid Blyton, autoras das sagas Poirot e d’Os Cinco respectivamente. Na arte na estátua de David de Miguel Ângelo é alvo da censura puritana por estar nu. E até a música é alvo do politicamente correcto por relembrar um passado menos bom. E por fim, a eterna vítima da censura, vem a História que deve ser reescrita para não ensinar às gerações futuras os males da Humanidade.

E assim sem nos apercebermos vemos a nossa liberdade condicionada. A nossa forma de agir e de exprimir seriamente comprometidas para não ofendermos os que vivem à nossa volta. O discurso de ódio deve ser banido, dizem uns. As fake news devem ser combatidas e os nossos cidadãos protegidos, dizem outros. E assim, como que caindo numa espiral, vamos cedendo à ditadura para o bem de todos nós. Para que, e com razão, não possamos ofender ninguém. Mas ao aceitar esquecemo-nos da *nossa* liberdade. Do *nosso* direito a exprimir as nossas opiniões por mais parvas ou ofensivas que sejam. Pois afinal de contas se não tivermos a liberdade para ofender não temos liberdade para pensar. E sem pensamento livre não temos Liberdade.

 

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